quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Transporte escolar é serviço público

A Constituição Federal, em seu art. 175, estabeleceu que incumbe ao Poder Público a prestação de serviços públicos, diretamente ou mediante concessão ou permissão, sendo responsável também por sua fiscalização. No art. 21, inciso XII, 'e', estipula que compete à União explorar os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, concluindo, no art. 30, V, que compete aos Municípios prestar os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo.

O serviço de transporte de pessoas pode ser individual ou coletivo. O transporte individual é o comumente chamado taxi, que, embora possa transportar mais de uma pessoa (no máximo quatro), apenas uma efetua o pagamento da tarifa, por isso o caráter individual. Já o transporte coletivo é aquele utilizado por um número considerável de pessoas e para tanto, devem ser utilizados os micro-ônibus, veículo de transporte coletivo com capacidade de nove a vinte passageiros e os ônibus, veículo de transporte coletivo com capacidade para mais de vinte passageiros[1].

Vê-se que, conforme a CFB, apenas os serviços de transporte coletivo são públicos. Incontroverso que o transporte coletivo de estudantes se trata de transporte coletivo.

Complementando, o dever do Estado para com a educação, compreende o fornecimento de transporte, como se depreende do art. 208, inciso VII da Constituição Federal, e constante também do art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente e do art. 4o da Lei de Diretrizes e Bases da Educação:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

E, finalmente, nos artigos 10, VII e 11, VI, da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com redação dada pela Lei 10.709/03, taxativamente afirma que o transporte escolar dos alunos da rede estadual incube ao Estado e o transporte escolar dos alunos da rede municipal é de responsabilidade dos municípios.

O Ministro do STF, Carlos Ayres Brito, ao proferir voto na ADI 3671, assim se pronunciou a respeito do transporte coletivo:

(...) Quanto mais em se tratando de serviço de 'transporte coletivo' municipal, que recebeu da Constituição o eloqüente certificado da essencialidade. Mais precisamente, serviço que se dota de 'caráter essencial', à teor do inciso V do art. 30 da nossa Lei Maior. (grifei)

Para Hely Lopes Meirelles[2], "serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado".

Maria Sylvia Zanella Di Pietro[3], define serviço público como "toda atividade material que a lei atribui ao estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público".

Sacramentando o entendimento de que o serviço de transporte coletivo, entre eles o de transporte escolar, é um serviço público, o excelso Supremo Tribunal Federal concluiu em decisão proferida na ADI 845:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 224 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO AMAPÁ. GARANTIA DE "MEIA PASSAGEM" AO ESTUDANTE. TRANSPORTES COLETIVOS URBANOS RODOVIÁRIOS E AQUAVIÁRIOS MUNICIPAIS [ARTIGO 30, V, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E TRANSPORTES COLETIVOS URBANOS RODOVIÁRIOS E AQUAVIÁRIOS INTERMUNICIPAIS. SERVIÇO PÚBLICO E LIVRE INICIATIVA. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1º, INCISO IV; 5º, CAPUT E INCISOS I E XXII, E 170, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

(.)

5. Os transportes coletivos de passageiros consubstanciam serviço público, área na qual o princípio da livre iniciativa (artigo 170, caput, da Constituição do Brasil) não se expressa como faculdade de criar e explorar atividade econômica a título privado. A prestação desses serviços pelo setor privado dá-se em regime de concessão ou permissão, observado o disposto no artigo 175 e seu parágrafo único da Constituição do Brasil. A lei estadual deve dispor sobre as condições dessa prestação, quando de serviços públicos da competência do Estado-membro se tratar. 6. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da conjunção aditiva "e" e do vocábulo "municipais", insertos no artigo 224 da Constituição do Estado do Amapá. (ADI 845, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 22/11/2007, DJe-041 DIVULG 06-03-2008 PUBLIC 07-03-2008 EMENT VOL-02310-01 PP-00031 LEXSTF v. 30, n. 352, 2008, p. 43-56) (grifos nossos).

Conclui-se, portanto, que o transporte escolar, por ser espécie do gênero transporte coletivo de passageiros, é serviço público, devendo, desta forma, ser prestado de acordo com o disposto no art. 175 da Carta Política.



[1] Conforme definição constante no Anexo I da Lei 9.503/97 - Código de Trânsito Brasileiro.

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo. 34 ed. Malheiros. 2007.

[3] PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. São Paulo. 16 ed.Atlas. 2003

4 comentários:

  1. Prezado Celso, Não concordo com a sua afirmação sobre o Transporte escolar. Seu equívoco foi o de confundir o transporte escolar gratuito, realizado diretamente pelo Poder público p/ atendimento de alunos carentes da rede pública, com o transporte escolar contratado pelos pais, claramente de natureza PRIVADA. Trata-se neste caso de um CONTRATO particular celebrado entre o consumidor (pais) e o transportador escolar (privado), que independe da existência, ou não de serviço gratuito oferecido pelo Poder Público, pois tal CONTRATO é um ato da expressa vontade do contratante, escolha livre, portanto de natureza nitidamente privada. Atenciosamente Eng. Nélson A. Prata Delegado Sindical do SINTESC-RMBH

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    1. Nos ônibus de linha também há um contrato, não escrito, para transporte. No momento em que você entra no ônibus, há o contrato, cujo pagamento deverá ser efetuado antes do desembarque. Nem por isto eles são considerados privados, por uma razão simples: trata-se de transporte coletivo, portanto, público.

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  2. Prezado Celso
    Em complementação ao ponto de vista por mim externado, sobre o caráter do Transporte Escolar, afirmo que considerá-lo como serviço público é um dos grandes equívocos, ou sofismas em voga no atual debate sobre a problemática inserida no binômio Trânsito/Transporte. O Transporte Escolar, excetuado aquele serviço provido diretamente pelo Setor público para atendimento gratuito a alunos carentes de rede pública de ensino, é uma atividade tipicamente PRIVADA, pelos seguintes fatos:
    . A utilização do serviço é uma opção espontânea, livre e soberana do contratante (pais, alunos, empresas,etc.);
    . O serviço é realizado sob a égide de um contrato particular, formal ou tácito, entre o contratante e o contratado;
    . Destina-se especificamente ao transporte de alunos, isto é, não admite passageiro usual;
    . É um serviço “porta a porta” (residência X educandário), portanto os transportadores cumprem itinerários obrigatoriamente diferentes entre si;
    . A remuneração do transportador é uma função direta de cada deslocamento, não se enquadrando no conceito de tarifa, pois por sua natureza liga-se ao conceito de preço, e tarifa, é diferente de preço;
    . A precificação do serviço mediante utilização de medidor conversor (taxímetro, instrumentos roteadores, etc.) é imprópria, pois o serviço perderia sua característica de escolar e se confundiria em grande medida, com o serviço de táxi (que ironicamente alguns estão a considerar como serviço de natureza privada);
    . Sendo o Transporte Coletivo Público uma concessão ou permissão, torna-se definitivamente impossível classificar o Transporte de Escolares como de natureza pública, pois está implícita nos conceitos de concessão e de permissão que a “propriedade” dos serviços concedidos ou permitidos é do Estado.
    Portanto seria o mesmo que admitir, ser o ESTADO, o “proprietário” de todos os trajetos e deslocamentos aleatórios, ou não, existentes no Sistema Viário. Muitos outros aspectos poderiam ser invocados para estabelecermos as diferenças claramente indicadoras do caráter privado do Transporte Escolar. Prefiro, no entanto, concluir que a grande confusão reinante e que dá origem a equívocos e sofismas, está no fato de que apesar de não se configurar ordinariamente como um “serviço essencial”, o Transporte Escolar é de extrema Relevância Social, portanto de grande Interesse Público, pois serve à porção tutelada da população (Crianças, adolescentes e jovens), além de possuir significativa capilaridade social. Assim, não devemos confundir serviço de interesse público com serviço público.
    Atenciosamente
    Nélson Antônio Prata
    Engenheiro de Trânsito e Transporte, especialista em segurança de Trânsito
    Delegado Sindical do Sindicato de Transportadores Escolares da RMBH- SINTESC

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    1. 1. A utilização de qualquer modal de transporte é uma opção espontânea, livre e soberana do usuário.
      2. Qualquer serviço de transporte é realizado sob a égide de um contrato particular, seja individual ou coletivo (fretamento).
      3. Qualquer serviço de transporte coletivo é destinado a um público específico.
      4. Qualquer serviço de transporte coletivo é ponto a ponto. De um lugar para outro, por isto se chama transporte.
      5. Qualquer serviço de transporte possui remuneração. No caso do transporte escolar, o Estado deveria estabelecer a tarifa, como determina a Lei.
      6. Para ser considerado transporte público não precisa de taxímetro, ou qualquer outro instrumento. Por exemplo: transporte aéreo não utiliza nada disto.
      7. Transporte coletivo, como manda a Constituição Federal, deve ser prestado pelo Estado ou mediante concessão e permissão.
      Tem mais... Mas por ora basta.

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