sexta-feira, 2 de março de 2012

Transferência ilegal de permissões de transporte escolar em Brasília


O Decreto Distrital 23.234/2002, em seu artigo 5º, dispõe que o Serviço de Transporte Coletivo de Escolares no Distrito Federal (STCE/DF), será prestado mediante permissão concedida pelo DETRAN/DF.
Devido à baixa rentabilidade do serviço, entre outros motivos, devido à concorrência desleal existente entre transportadores que praticam preços que não cobrem os custos, vários permissionários deixam de exercer a atividade. Do outro lado, existem interessados em prestar o serviço, mas estão impedidos, haja vista que novas permissões somente serão concedidas mediante concorrência pública, conforme art. 7º do citado decreto. Assim, tornou-se prática comum a transferência da permissão para prestação do STCE/DF, daqueles para estes, amparados no artigo 6º da Lei Distrital 2.819, de 19 de novembro de 2.001 e com a participação do DETRAN/DF que fornece modelo de contrato de transferência.
A permissão de serviço público está regulada pela Lei 8.987/95, que prevê a possibilidade da transferência da permissão ou do controle societário da empresa permissionária. Esta lei prescreve que as transferências só podem ser realizadas, mediante prévia anuência do poder concedente. A falta desta anuência resulta na caducidade da permissão, que poderá ocorrer, igualmente, se o permissionário paralisar a prestação do serviço[1].
O parágrafo único do art. 1º da Lei 8.987/95 determina que: “... o Distrito Federal e os Municípios promoverão a revisão e as adaptações necessárias de sua legislação às prescrições desta Lei,...”. Destarte, embora haja uma ADIN [2], visando suspender a eficácia do artigo 27 da Lei 8.987/95, dúvidas não há de que, enquanto não tenha uma decisão da Suprema Corte, o dispositivo continua em vigor. Assim, para que um permissionário transfira a permissão ou altere seu controle societário (no caso de empresa permissionária), além de atender ao disposto nos artigos 8º, 9º e 12 do decreto Distrital 23.234/2002, devem obedecer ao prescrito na Lei Federal, que se aplica também às permissões [3]:
Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão.
§ 1o Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste artigo, o pretendente deverá: (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.196, de 2005)
I - atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e
II - comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor.
§ 2o Nas condições estabelecidas no contrato de concessão, o poder concedente autorizará a assunção do controle da concessionária por seus financiadores para promover sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
§ 3o Na hipótese prevista no § 2o deste artigo, o poder concedente exigirá dos financiadores que atendam às exigências de regularidade jurídica e fiscal, podendo alterar ou dispensar os demais requisitos previstos no § 1o, inciso I deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
§ 4o A assunção do controle autorizada na forma do § 2o deste artigo não alterará as obrigações da concessionária e de seus controladores ante ao poder concedente. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005). [grifou-se]
Não podemos esquecer que o poder permitente deve, sempre, observar o equilíbrio econômico-financeiro dos permissionários. 
É notório que, em algumas regiões, há excesso de oferta do serviço, ocasionado pela prática da transferência da permissão, nos casos em que o cessionário não continua a prestá-lo na região que era atendida pelo cedente. Isto leva os permissionários a competirem deslealmente entre si, cobrando, ano após ano, preços cada vez menores, reduzindo ainda mais a remuneração do serviço e por consequência, da qualidade e da segurança, indispensáveis no transporte de crianças e adolescentes. Quem não suporta esta concorrência, incluindo várias empresas tradicionais, transferem a permissão para terceiros, reiniciando o ciclo vicioso, que só tem trazido prejuízos a toda a sociedade.
É certo que a transferência legal visa garantir a continuidade do serviço. Assim, se um permissionário deixa de prestá-lo, o poder público deve, antes de anuir com a transferência, verificar se os permissionários remanescentes possuem condições de atender os alunos que aquele atendia, sem aumento de frota (há vagas ociosas). Se possuírem, o poder permitente avaliará, a bem do interesse público, a conveniência ou não de consentir com a transferência, ou determinar que o cessionário atue em uma região que haja demanda.
Não havendo permissionários em número suficiente para o atendimento dos alunos transportados pelo permissionário que se retira, o poder público só deve concordar com a transferência, mediante compromisso, por parte do cessionário, de que continuará a prestar o serviço na mesma região atualmente atendida pelo cedente. Se assim não for, os alunos desta região serão penalizados pela falta do transporte, o que, evidentemente, contraria o interesse público.
Por outro lado, se for conveniente, para o poder público, a substituição do permissionário, visando suprir demanda existente em outra região, o cessionário deve também firmar compromisso com o DETRAN/DF de prestar o serviço na região determinada pela autarquia. A constatação da existência desta demanda deve obedecer ao disposto no artigo 2º da Lei 2.994/2002.
Portanto, não restam dúvidas de que a transferência da permissão deve respeitar as formalidades previstas na legislação, devendo o DETRAN/DF, também, fazer minuciosa análise da transação, objetivando constatar a conveniência da transferência e se o cessionário atende todas às exigências legais, além de verificar se o mesmo possui condições de continuar a prestar o serviço nos termos do § 1º do artigo 6º da Lei 8.987/95.
Importante ressaltar que, se o permissionário paralisou a prestação do serviço, ou está atuando de forma irregular, constatado mediante a não renovação da autorização de tráfego, por digamos um ano, o poder público deve, de ofício, declarar a caducidade da permissão, não permitindo, em hipótese alguma, sua transferência.
É urgente a interferência do Governador do Distrito Federal no sentido de suspender, de imediato, a transferência das permissões, até que se realize o estudo da demanda reprimida prevista em Lei, ou até que sejam adotados procedimentos administrativos, adequados e necessários, objetivando atender a legislação federal.
Em tempo: O decreto 23.234/2002 foi revogado pelo art. 1° da Lei 4.364 de 21/07/2009.


[1] Arts. 27 e 38 da Lei Federal 8.987/95.
[2] ADI 2946
[3] Parágrafo único do artigo 40 da Lei Federal 8.987/95.