Fazendo uma breve análise histórica da Lei que estabelece os casos de inelegibilidade, desde a Lei Complementar n° 5, de 29 de abril de 1970, passando pela Lei Complementar n° 64, de 18 de maio de 1990, publicada, por coincidência, há exatos 20 anos, até à Lei denominada Ficha Limpa, aprovada no último dia 19 no Senado, e diante de toda polêmica criada com a emenda do Senador Francisco Dorneles, justiça seja feita ao Senado. A culpa maior foi também da própria proposta popular e da Câmara, que aprovou o Projeto mantendo a maioria dos dispositivos com a expressão no futuro.
Inicialmente, em nosso humilde entendimento, em alguns aspectos, a Lei editada pela ditadura militar era melhor do que a Lei do Ficha Limpa. Senão vejamos:
Relativamente aos atos de improbidade administrativa, a LC 5/70 usava a expressão no passado: ‘os que tenham sido condenados’. A proposta popular, para crimes contra a economia popular, tráfico de entorpecentes, tortura, exploração sexual de crianças, entre outros, e também por atos de improbidade administrativa, sugeriu a expressão no futuro: ‘os que forem condenados’. Vejam que esta proposta foi aprovada na Câmara, alterando-se apenas o critério de inelegibilidade para os condenados em órgão colegiado, além do trânsito em julgado. Foi mantida pelo Senado sem qualquer modificação.
Ressalte-se que, em relação aos crimes contra a ordem política e social, a economia popular, a fé pública e a administração pública, contra o patrimônio, e outros, a LC do período da ditadura usou a expressão no passado: “os que tenham sido condenados”. A LC 64/90, utiliza, para os mesmos crimes, a expressão no futuro: “forem condenados”. Neste ponto, óbvio que a LC 64/90 não utilizaria, à época, a expressão no passado (os que tenham sido condenados). Necessário admitir que foi editada sob novíssima ordem constitucional e não faria sentido atingir aqueles que tinham sido condenados antes de 1988. Entretanto, esta expressão (forem condenados) foi mantida na proposta popular, aprovada pela Câmara e mantida pelo Senado, para os mesmos crimes. No nosso entendimento, erroneamente, pois deveria, para estes crimes, ter utilizado a expressão “tenham sido condenados”, pelo menos após 21/05/90”, ou seja, desde a entrada em vigor da Lei Complementar 64/90. Obedeceria, assim, ao espírito original da Lei, de não atingir os casos antes de sua primitiva edição.
Em relação aos detentores de cargo público, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico, ato de corrupção ou de influência, a LC 5/70 usava a expressão “os que tenham comprometido a lisura ou normalidade da eleição”. Não precisava nem ser condenado, bastava comprometer! A LC 64/90 usa, para atos análogos, a expressão “apurado em processo, com sentença transitada em julgado”. A proposta popular, neste particular, sugeriu a expressão “apurado em processo”, com o mesmo entendimento: no passado ou no futuro. Porém, bastava a decisão de 1o grau. A Câmara aprovou o texto, com a expressão “condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”, atingindo, portanto os casos pretéritos. Os Senadores modificaram para “os que forem condenados”. Alcançando, numa interpretação literal, somente os casos futuros.
No ponto mais sensível aos atuais parlamentares, no que se refere a atos de corrupção eleitoral, captação ilícita de sufrágio, captação ilícita de recursos, a proposta popular sugeria a expressão “que tenham sido julgados e condenados”. A Câmara manteve a sugestão, apenas incluindo que a condenação deveria ser por órgão colegiado ou transitada em julgado. Os Senadores, a nosso ver, com toda a esperteza, alteraram para “os que forem condenados”. Neste quesito, ato de corrupção, a LC 5/70 usava, com rigor, a expressão “os que tenham comprometido”. A LC 64/90 não se refere a nenhum destes atos.
Resumidamente, verifica-se que a LC 5/70 usava as expressões rigorosas “tenham sido condenados”, “que estejam privados”, “os que tenham comprometidos”. A LC 64/90 usa as expressões no futuro “que perderem seus cargos”, “os que forem condenados”, “os que forem declarados”, “os que tiverem suas contas rejeitadas”, “que beneficiarem a si ou a terceiros” e apenas uma vez a expressão “que tenham contra sua pessoa”.
A proposta popular utiliza as expressões, predominantemente para o futuro: “que perderem”, “os que forem condenados”, “os que forem declarados indignos”, “os que tiverem suas contas”, “os que beneficiarem a si ou a terceiros”, “os que renunciarem a seus mandatos”. Mas utiliza também expressões alcançando o passado: “que hajam perdidos”, “que tenham contra sua pessoa”, “os que tenham sido julgados e condenados”.
A Câmara aprovou o Projeto com as expressões, ora atingindo o passado ora só o futuro: “que perderem seus cargos”, “que tenham contra sua pessoa”, “os que forem condenados”, “os que forem declarados”, “os que tiverem suas contas”, “que beneficiarem a si ou a terceiros”, “os que tenham sido condenados”, “os que renunciarem”, “os que forem condenados”, “os que tenham sido excluídos”, “os que tenham sido demitidos”, “que tenham sido aposentados”,
O Senado alterou a redação apenas no que interessa aos parlamentares atuais (basicamente h e j): aos detentores de cargo público que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político (h); os que forem condenados por corrupção eleitoral, captação ilícita de sufrágio, doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos e campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou diploma (j).
Alterou também as alíneas m, o e q: Aos que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente em decorrência de infração ético-profissional e os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial. E, finalmente, os magistrados e membros do MP que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória.
Finalmente, se a real intenção dos senadores era de adequar o texto do Projeto à Lei, deveriam ter alterado também a expressão, constante da alínea J, “que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração”, para “os que perderem o cargo por sentença ou que pedirem exoneração ou aposentadoria...” . Estas ficaram valendo também para o passado. Na pressa, esqueceram de fazer esta alteração.
Mas há uma luz no fim do túnel. Tudo dependerá apenas de nós, eleitores. Eu, por exemplo, só votarei nos candidatos que forem honestos e tiverem a ficha totalmente limpa, tanto jurídica quanto moral e ética. Não irei esperar por nenhuma condenação, seja de 1a instância, transitada em julgado ou por órgão colegiado.
Não votarei nos candidatos que tenham sido condenados, pois eles não poderão se candidatar. Pelo menos, ao que parece, esta era a intenção do legislador. O TSE e o STF analisarão e, com certeza, chegarão a esta conclusão, no momento adequado.
Só não podemos correr o risco da Lei, ao ser sancionada, ser declarada inconstitucional por vício formal (não ter retornado à Câmara). Quem será o maluco que irá questionar esta constitucionalidade ainda este ano?
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